Páginas

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Questão de (Muito) Gosto

Eu prefiro a mulher
que me chama de "véio",
me chama pra perto,
me faz suspirar.
Eu prefiro a mulher
que diz que me ama,
que acende a minha chama
sem nem me chamar.

Eu prefiro a mulher
que me inspira o poema,
que às vezes faz cena
com cara de esperta.
Eu prefiro a mulher
que me oferta guarida
que me mostra a vida
de cuca aberta.

Eu prefiro a mulher
que me entende de longe,
que me beija aonde
minha cabeça estiver.
E nem que vire em versos
toda a pureza dos santos
conseguiria explicar quanto
eu prefiro esta mulher.

sábado, 24 de julho de 2010

domingo, 14 de março de 2010

Fragmentos de Campo - II


Gineteada



Era uma manhã de sábado ensolarada e fria. Daquele frio que causa uma dor intensa a qual parece rachar os ossos, mas, que ao sol, ou na beira do fogo, dá um prazer e a sensação do degelo interno. A matilha de ovelheiros caminhava ligeiro, por vezes, trombando entre si, com línguas de fora, entrando e saindo do galpão, onde um rapaz jovem, de mais ou menos treze anos - vestindo um par de bombachas retas, esverdeadas, uma camisa térmica uruguaia, xadrez entre vermelho e bege, uma boina azul, acinzentada dos efeitos temporais, e, aos pés, sob as esporas, um par de botas baias manchadas de suor eqüino, com o cano levemente torcido - encilhava um cavalo colorado gordo, adelgaçado, parecendo ter sido esculpido por mão divina e muito bem concentrada. Das cocheiras vinha o chiado do rádio a pilha do peão caseiro que, varria o chão com uma vassoura de carqueja, quase dançando para aquecer o corpo.


Depois de apertar a sobre-cincha, sempre cauteloso, o rapaz, com o cavalo à cabresto, ao lado do portão do galpão pegou, pelo fiel, um mango cabo de guajuvira com uma tala chata mal-sovada. Saindo do galpão parou na frente das cocheiras. O caseiro encostou a vassoura contra as tábuas de um cocho e saiu até o portal recomendando:


- Paulino, não me facilita esse colorado! Isso ta de cocheira há dias, vai querer retoçar contigo!
- Só vou dar-lhe uma escramuçadinha, já deixei ontem a tarde inteira de mangueira pra dar uma alivianada.


O velho deu uma coçada na cabeça e, encolhendo os ombros, concluiu:


- Bueno...


O rapaz agarrou firme o cabresto, encurtou-o para o seu lado, fazendo o colorado andar em voltas, firmou o pé esquerdo no estribo do lado de montar e abraçou o patuá com o braço direito agarrando as rédeas curtas e parelhas sobre as cruzes do animal. Este tinha olhos trêmulos, nervosos, com a mesma ansiedade de uma criança, na qual não é possível distinguir a vontade de brincar, simplesmente, da necessidade inocente de fazer alguma picardia. Em um chute no ar lançou a perna direita que caiu encaixada nos bastos e o pé certo e firme no estribo.

O cavalo saiu troteando de lado, sempre espiando o que vinha montado em cima, tentando cheirar o bico da bota deste. Os ovelheiros, ao perceberem o prenúncio de lida grande, começaram de alvoroço ao redor do colorado que, cada vez mais desconfiado, de vez em quando atirava um coice esparramando os ladridos para um pouco mais longe. E assim se foram, homem e cavalo, tentando se entender. Quando, ao cruzar por um capão de mato, o colorado cravou os quatro cascos no chão e estaqueou-se. O tempo parou. O potreiro tomou um silêncio de altar, mal e mal um vento manso balançava as folhas de uma corunilha solitária próxima à eles. E, como um general comandando o avanço de uma tropa, o jovem largou do fundo de seus pulmões um grito de:


- Te acomoda, matungo! – seguido do trovejar de tala castigando a virilha do cavalo, e rachando o céu do silêncio.


O colorado aceitou o convite sem pensar duas vezes: murchou as orelhas num gesto de ofendido, coiceou um cachorro, talvez abrindo espaço e deu meia volta no ar virando-se para trás em direito ao galpão. Paulino apertou os lábios um contra o outro, franziu a testa e forçou bem os joelhos contra os bastos. Sentia uma mistura de receio com excitação, devido ao fato de aquela ser sua primeira gineteada. As crinas pretas, mal-tosadas sacudiam em um movimento descompassado, ligeiro como o bater de asas de um beija-flor. A cabeça desaparecera por entre as mãos, e, só apareciam, volta e meia, as ventas, pelo movimento de tentar tomar as rédeas da mão do ginete. Este seguia quieto, trabalhando com os estribos para manter o equilíbrio, assim como quem aprende a caminhar. As esporas beliscavam feito um lambari tenteando alimentar-se em um pedaço grande de carne. À medida que se sentia firme, ia ganhando confiança e trabalhando cada vez mais com o mango, que atentava à marca do animal com empenho de guerra. E assim seguiam: o de baixo parecia tocar um rasguido-doble em um violão imaginário com as mãos pelo ar e procurava as esporas com as patas, urrando com timbre de porco recém sangrado; e o de cima, misturava raiva, atenção e euforia, com as pernas cerradas sob o patuá protetor. Então, enfim, uma investida nas rédeas e pronto. Estaqueou-se novamente o cavalo colorado. O jovem ginete cutucou suavemente com as estrelas de ferro atrás da barrigueira e o quadrúpede saiu a trote.


Deram volta e se foram em direção ao fundo do potreiro. Os dois, agora, mais do que nunca, iguais à imagem de um centauro, unidos, fundidos pela vitória recíproca, pois a cumplicidade que este tipo de batalha gera elimina a existência de perdedores, ambos, provam, simplesmente, que são livres e que podem e devem usufruir juntos de tal liberdade.

sábado, 13 de março de 2010

Fragmentos de Campo


(Algum) 18 de junho, quarta-feira.



Hoje acordei por volta das 6 horas. Era frio. Mateamos, Marvyn, tio Ranieri e eu, até quase 7 horas. Saí de casa para fazer volteios de bóia para os bichos junto com o Marvyn. O tio tomava seu café p/ ir trabalhar. O campo era branco, o pasto, a chilca, o topete dos piques e do mato eram de gelo. Tínhamos idéia de sair pro campo antes do café, mas, se nem o sol se animava a sair de sua cama é porque fazia frio mesmo.
Bueno, tomamos café, encilhamos e saímos. A geada ainda estava longe de levantar e entre a chilca encharcada eu tinha a impressão de haver esquecido os dois pés, aliás, eu tinha quase certeza de tê-los perdido por ali.

Juntamos o gado e as ovelhas. Ficaram faltando quatro das lanudas matreiras. Tínhamos que dosar a Nenê, vaca que era do leite, a qual sustentava miles de carrapatos sobre o couro enfraquecendo-a cada vez mais, logrando-lhe o sangue e a vontade de viver.

Marvyn deu de mão no laço, acomodou-o, armada e rodilhas, e atiçou sua fome fazendo suas tripas de tentos roncarem no vento cada vez que o reboleava. Mandou a corda. Esta achou exatamente o que procurava nas aspas da Jersey-azebuada. Agarrei junto o laço. Tentamos remedia-la na mangueira, porém, por não saber que lhe trazíamos a solução para um de seus maiores problemas, achou que éramos mais um e não nos deixou aplicar a vacina. O sistema acabou tomando traços mais rudes, mais brutos. Levamo-la, meio de arrasto, meio cabresteando, com o laço numa ponta digerindo as aspas do animal e em seu meio por nós agarrado e passado em um lado da cintura, até o palanque, onde, ao não nos entender ainda, tivemos que derruba-la. Seus olhos eram puros, inocentes e assustados. Marvyn apertou e eu dosei.

Estávamos nos preparando para sair na recoluta das que faltaram, quando... (fim da folha extraviada).

sexta-feira, 12 de março de 2010

Aperezas


Sem Memória


Era vinho, era amor.
A cachaça sem sabor
Salivava nas primaveras.
E a resposta das esperas:
Dor e dor.

Eram vidas e histórias.
Conquistas sem glórias,
Sorrisos sem sentido.
E o poema foi partido
Sem memória.

Eram moças, ou não,
Acreditando no coração
Que pulsava embriagado,
Incrédulo do pecado
Da ilusão.

O que fora não existiu.
Assim como veio, partiu:
Brisa sem rumo e conforto,
O mar, que não conhece porto,
O beijou e seguiu.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Cartões Emotivos- II






O Dia da Mulher


Ela acordou bem mais tarde que o de costume para uma segunda-feira. Vestia calcinha e camiseta. À medida que o sol lhe causava o clássico desconforto matinal ela ia fazendo o rotineiro alongamento de membros sobre a cama, enfim, espreguiçando-se. Direcionou as pernas para fora da cama e foi lentamente erguendo o restante de seu corpo. Deu um bocejo daqueles de escancarar a boca com os braços erguidos, firmou os pés descalços no chão tocando o carpete com os dois ao mesmo tempo, então, levantou-se. Caminhou até o banheiro, fez o que fora fazer pensando nas estatuas da Ilha de Páscoa, ou no Gael Garcia Bernal, ou tentando lembrar o nome daquela música do Chico... "Ah! Valsinha!". Em seguida ergueu-se, lavou as mãos, escovou os dentes com os olhos entreabertos, ainda com a escova na boca procurou espinhas e impurezas da pele do rosto no espelho. Terminou de escová-los, e começou a olhar seu cabelo no reflexo, penteou-o, em seguida ficou formulando estilos de penteados diferentes, fez caretas, poses e pôs a língua para si mesma diante do espelho. Saindo do banheiro retornou ao quarto e foi direto para a sacada, ali ficou durante uns dez minutos observando os que caminham sem rumo, os que pensam ter um rumo.



Na sala vasculhou uma gaveta até encontrar a capa de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Inseriu o dvd no aparelho, ligou a televisão e foi até a cozinha. No microondas o relógio marcava 14:47. Abriu a geladeira e, do freezer, saltava aos olhos um pote de sorvete, pela metade, sabor floresta negra, pegou-o, catou uma colher no secador de louça e voltou para a sala sentando-se lentamente no sofá. Com o controle remoto ajustou para que começasse o filme e foi aos poucos deliciando-se com o sorvete: tinha gosto de chocolate, mas, muito mais do que isso, de liberdade, o sabor de desafiar todas as leis das dietas, da estética e dos olhos alheios. Passou a tarde quase deitada aproveitando cada minuto do filme. Marcou-lhe o seguinte trecho de um diálogo:


Pintor: "Ela prefere imaginar uma relação com alguém ausente do que criar laços com aqueles que estão presentes.".
Amélie: "Hummm, pelo contrário. Talvez faça de tudo para arrumar a vida dos outros.".
Pintor: "E ela? E as suas desordens? Quem vai pôr em ordem?".

Com o filme já nos créditos tocou seu celular. Este estava por perto, ao lado dos controles da televisão e do dvd, como o de costume. Se absteve por alguns instantes, mas, em seguida atendeu a ligação:

- Oi?!
- Leila?! Feliz dia internacional da mulher, minha linda! Vocês merecem, o que seria de nós sem vocês?! – disse uma voz do outro lado da linha a qual ela reconheceu pelo riso e pela empolgação.
- Quem somos nós?! – indagou com voz entoada.
- Vocês, as mulheres, minha flor! – explicou-lhe a voz cativante com tom de atuação.
- Ah! Pensei que estavas te referindo a nós... TUAS mulheres!-
- Como assim?! -
- Não me procuras há, no mínimo, duas semanas, e, em uma segunda-feira, por que deves ‘tá’ excitado e sem nada melhor para fazer, resolves me ligar para desejar uma boa data, que já passou, praticamente, a qual é extremamente machista, só para ver se me comovo e te convido para jantar na minha casa! - descarregou, como um trovão no céu vazio, uma rajada de vozes de mil duzentas e setenta e sete mulheres.
- O que tem de machista no dia da mulher?! - perguntou a voz curiosa.
- O biscoito pro cachorro que aprendeu um truque novo! Um dia no calendário para as mulheres por terem sido boas mães, professoras, esposas, secretárias, boas amantes e amantes boas! Eu sou muito mais estável financeiramente e feliz do que tu ou as tuas mulheres, e existe um dia de consolação pro coitadinho cafajeste ou para as quengas safadas?! Eu acho que a tua pergunta deveria ser: “Porquê eu não sou mais sincero comigo mesmo?” – ela mantinha a razão, classe e voz, mas, suas palavras tinham performances afiadas e cortantes.
- Olha, eu não sei nem o que te dizer. – escapou, como ar, da voz trêmula, entretanto, grave.
- Nada. Tu não és tão bom com as palavras como imaginas. Nem com os pensamentos. Muito menos na cama. Tchau e um feliz dia das mulheres para ti também. – ao termino destas palavras desligou o celular, atirou-o em um canto qualquer do sofá, correu até o rádio do quarto, aumentou bem o volume, e programou para tocar um Cd da Ana Carolina. Correu até a frente do espelho e, antes de começar a dançar, gritou:
- Agora sim, é o dia internacional desta mulher! – enfim, gargalhou.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Canções do Tempo - II


Domingo de manhã me dá tesão


É noite, é correria, prato de bateria, prato de bateria. É boca, é língua, é cervejaria, prato de bateria, prato de bateria. É carro, é moto, é gasolina, prato de bateria, prato de bateria. É cachaça, Maria, Carolina, prato de bateria, prato de bateria. É poça d’água, meia branca, prato de bateria, prato de bateria, prato de bateria. É um som bacana, companhia profana, prato de bateria, prato de bateria. Diversão aqui, porrada ali, prato de bateria, prato de bateria, prato de bateria. É amor, tanto amor que domingo de manhã dá tesão, corda de violão, corda de violão, corda de violão.